terça-feira, julho 25, 2006

O meu amor
Tem um jeito manso que é só seu
E que me deixa louca
Quando me beija a boca
A minha pele inteira fica arrepiada
E me beija com calma e fundo
Até minh´alma se sentir beijada, ai

Ouço essa música ainda em casa, tomo mais um gole da caipirinha adormecida e já amarga e vou para o ponto de ônibus, neste dia de dilúvio em BH. Existem poucas coisas piores do que um dia de chuva em BH, pois nesta cidade-montanha não há rua da direita ou rua da esquerda. Existem apenas ruas de cima e ruas de baixo. Portanto, enxurradas aqui não servem para “lavar a alma” ou carregar barquinhos de papel; servem para te deixar ilhada num pequeno espaço, esperançosa pela chegada do ônibus antes da chegada de um playboy qualquer que ache bonito ver uma mulher madura, como eu, molhada de cima a baixo. Isso deve tesá-los, eu acho. Deve ter a ver com a vontade de ver suas mães nuas e molhadas, no chuveiro, dos tempos de meninice.

No ponto de ônibus continuo lembrando da música, e do tempo em que eu podia sentir arrepios com aquela barba mal feita, do hálito de cigarro e da sua língua trêmula. Ah, faz tanto tempo... Deste tempo para cá, essa música embala meus momentos de solidão compartilhada, em que parte do meu corpo assume status de corpo estranho e me preenche, quase me satisfazendo.

Essa deve ser a minha sina, eu acho. Ser quase satisfeita, quase completa. Falta a barba por fazer, o hálito de cigarro e aquela língua quente, lasciva, que buscava minha orelha com fervor e ódio. O mesmo ódio que me castigava por chegar tarde em casa, com as marcas que eu não conseguia explicar. Ele não entendia as minhas necessidades...

O ônibus não chega, a chuva transformou-se em temporal. Não preciso mais do playboy arruaceiro para me molhar. Já estou molhada, inteira, e na alma. Lembrei-me da última surra, e de como eu preparei o seu jantar, mesmo estando inteira machucada, com esmero e temperos torpes, que fizeram-no dormir profundamente. O que ele teria me dito se tivesse acordado enquanto eu o esfaqueava? Meus olhos brilhavam, meu corpo tremia, meus golpes sôfregos, será que ele me desejaria ainda? Jamais saberei!

Depois de tantos anos, de expiar meus pecados, desejo-o ardentemente.

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