sexta-feira, fevereiro 04, 2005

Capítulo Um.

Relacionamento. “A moeda do novo século” diriam alguns, “a razão da existência do homem”, diriam outros.

Relacionamento sempre foi minha área de estudo, o meu ganha pão, o meu dom e o meu calcanhar-de-aquiles. Tudo o que faço na vida para vencê-la é transformar relacionamento em poder, em vantagem, em moeda. Sou realmente bom nisso. Ganho bem e já viajei o mundo. Conheci lugares e pessoas e, aqueles que me conheceram na infância, jamais acreditariam que fui tão longe.

Mas tudo o que mais quis na vida foi ter um relacionamento estável, cúmplice e duradouro. Não o tive na vida amorosa, pelo menos até hoje. Para ser honesto (e hoje eu tento ser mais do que nunca), nem mesmo em família meus relacionamentos funcionaram bem.

Sempre fui muito religioso! Quando nasci minha querida Avó acreditou que meus olhos eram iguais aos de Jesus – toda criança nasce aparentemente com olhos claros e ainda é forte o eurocentrismo, em que se acredita que Jesus teve olhos azuis, cabelos loiros, lisos e longos como os europeus – e minha mãe concordou com meu pai que eu deveria me chamar Patrick (uma homenagem à Catedral de St. Patrick de Genebra que, apesar de se transformar em uma catedral protestante durante a Reforma, era um monumento católico maravilhoso datado do séc. XII).

Não foi surpresa pra ninguém quando anunciei que tinha tomado minha decisão sobre o futuro, aos 14 anos. Eram duas as opções que eu tinha em mente, uma pela gratuidade e outra pela “vocação”: 1ª) estudar eletrônica no COLTEC, em BH: Colégio técnico público, garantia de emprego e de um futuro melhor. Não era uma ETE, de Santa Rita do Sapucaí, mas era de graça. 2ª) entrar para o seminário, em São João Del Rey.

Tinha primos em BH e adorava ir pra lá. Meus primos viviam em condições melhores do que as nossas e eram sócios do Iate (um clube bacana, na orla da Pampulha e construída pelo Niemeyer) e íamos aos domingos ao Independência ou ao Mineirão, assistir o América contra qualquer outro time. Na verdade o América não era o meu time do coração e nem futebol era a minha paixão, mas o feijão tropeiro que se come nos estádios de BH não se come em nenhum outro lugar do mundo. E nada melhor do que jogo do América! Torcida calma, cordata e pequena (dizem que se juntar todos não lota uma Kombi). Depois o meu programa predileto era ir ao Aeroporto ver avião decolar e pousar, o que me deixava encantado, mesmo com a sensação de ser uma espécie de Chico Bento quando visita seu primo da cidade.

COLTEC, UFMG, quanta sigla! Não era a minha praça. Nada me faria colocar a mão em algo que desse choque, algo que pudesse me queimar. Nunca fui daqueles que desmontavam o brinquedo pra depois tentar montar, como a galera fazia na escola. Ao contrário, recebia meu brinquedo, desvendava seu funcionamento superficial (que graça tem saber como funciona a mola?) e depois guardava, já com saudades do meu livro ou da minha novela.

Para alegria da minha avó, embarquei para São João. Era gostoso de se ver naqueles olhos cheios de fé a felicidade que eu lhe ofereci e foi cheio de tristeza que, oito meses depois, cheguei em casa para as festas de fim de ano e avisei, a quem interessar pudesse, que não voltaria! Pedofilias e troca-trocas sortidos, gente de fé e loucos de fé! Tôu fora, comuniquei. De Itajubá não saio mais, ou só saio formado!

Sai formado. RP, já com a experiência do estágio da InBel. Nada mais apropriado para qualquer desafio vindouro. Desde o 4º período de faculdade, ajudei a melhorar a relação da maior indústria bélica da América do Sul com a imprensa e com a comunidade. Nosso jargão era: “InBel – nossa guerra é pelo bem estar de uma nação”. Que bosta! Mas me valeu um convite para continuar depois de formado. Não aceitei, pois agora eu estava pronto para o mundo. Currículos deixados em empresas de BH e Contagem, entrevistas feitas, salário acertado, adeus! Quase nada deixado pra trás, só a mulher que eu considero o amor da minha vida, Ana.

Mas o que minha religiosidade tem a ver com tudo isso? Ontem terminou o feriado de Corpus Christi e sei que vi o amor da minha vida pela última vez. Estamos terminados há 20 dias. Implorei para voltarmos e ela me propôs que passássemos o feriado juntos, como uma despedida. Eu tinha convicção de eu conseguiria resgatar o amor dela por mim. Era óbvio o meu pecado. O maior de todos! Mas algo me fazia acreditar na minha capacidade de consertar a enorme cagada que fiz. “O que era uma traição perto daquele amor que sentíamos”, perguntava-me.

Aliás, cagadas são o meu forte e acreditar na minha habilidade de apaziguar conflitos mostra o tamanho da minha autoconfiança e da minha predisposição para errar de novo. Como eu errei, meu Deus! Será que 25 chances não eram suficientes para eu mudar?

Quando eu a deixei na rodoviária e percebi que a 26ª não estava a caminho, olhei em seus olhos e disse:
- Lembrei-me de uma das músicas mais tristes do Chico: Quando olhaste bem nos olhos meus e o seu olhar era de adeus...
Ela me sorriu, quis me dar um beijo na boca, orgulhosamente desviado por mim (eu sou uma anta mesmo). Antes de entrar no ônibus ela me disse:
- Vou ser sempre sua. Nenhum homem foi capaz de me fazer feliz como você me faz. Mas não posso viver minha vida na corda bamba, à espera de ser trocada por outra mulher. Você falhou! De novo! Preciso me dar o respeito e gostar de mim também! Adeus!

Entrou no ônibus e não deu tchau pela janela. Tentei me lembrar o que se celebra neste feriado para me agarrar à fé, pedir pra Deus pra não deixa-la ir embora... Mas me lembrei que a comemoração de Corpus Christi tinha sido inventada no Renascentismo, como uma forma de fortalecer a religião que se enfraquecia à medida que o clero deixava de ter o poder. Nem na fé encontrei uma saída!

Ela acaba de ir embora e eu não consigo pensar em mais nada!

(continua)

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